Roma, berço da civilização (e do caos...)

Saturday, July 30, 2005 6:38 AM Posted by Lucas Welter 0 comments
22 de abril de 2005

Roma não é uma cidade muito tecnológica, ou pelo menos, os romanos não são. Sexta-feira pela manhã decido comprar um teclado para o meu Macintosh. Pergunto aos guris (Kevin, o Greg e o Mike – colegas da Penn State obrigados a passarem um semestre em Roma, tendo aulas no Palazzo Pamphili – que inveja...) que dígasse de passagem, não estavam muito interessados em me ajudar após eu ter obrigado eles a caminharem durante a madrugada anterior pelo Fórum Romano, um lixão que tem lá em Roma, como diria outra grande amiga minha... Desconheciam lojas que vendessem Macs. Perguntei como faziam para comprar acessórios para Macintosh e me responderam que era só entrar no site da Apple, encomendar e em 3 dias chagava tudo, just like in the US, porém quando alguma greve de alguma classe trabalhadora italiana não atrasava tudo, very Italian, emendou um deles.

Sem ajuda dos meus colegas ‘quase nativos’, passei algum tempo no Google tentanto juntar palavras como Apple, Roma e vendita para ver se descobria uma loja que vendessem produtos Macintosh. Se tinha alguma coisa que o Palazzo Pamphili podia lembrar as Units da Penn State era a conexão de internet sem fio (e os montes de Doritos, Pringles, Gatorade e Light Coke espalhados pelos cantos, e os guris assistindo Family Guy – eles deixam os EUA, mas os EUA não deixam eles...)


[Penn State University Arch Studios @ Rome]

Voltando para ‘Mac loja’, descubro uma que, no pedaço do mapa que aparecia na tela do computador, não me parecia longe de algum lugar que eu já tinha estado... Aliás, em Roma, tudo parece perto (e de fato é...). Como sou um ser tecnologicamente correto, entro no Mapquest, forneço os endereços (meu e da loja) e acho o possível caminho por Roma, uns 8km de onde eu estava. Claro, o caminho calculado era de automóvel, dando votas em círculo (ah tá, até o Mapquest foi adaptado para o maravilhoso trânsito romano).

Com a Europa usando uma moeda impraticável para nós brasileiros (e para o resto do mundo todo, dizem os guris...) e dado meu estado quase falimentar, minha única chance seria caminhar até lá ou encontrar transporte público. Táxi nem pensar. Resolvo ligar para loja e perguntar como chego até lá. Com meu italiano afiadíssimo, liguei pra lá, mas quem disse que eu consegui entender as explicações que a menina da loja me dava. E ela repetia. E repetia. Fingi que entendi, fui até o metrô e comecei a procurar nos mapas como chegar. Essa é outra mania minha que já me meteu em encrencas, mas de metrô se vai a qualquer lugar. Só se for em Londres, Paris ou NYC. Em Roma, melhor ir andando, até porque o metrô tava em greve naquele dia...

Pego metrô (que ia parar em 30 minutos – a tal da greve), ando duas estações (parece piada), desço, entro num bonde que vai em direção ao Parque Olímpico. A tal da praça que eu deveria chegar ficava no meio do caminho. Olhei no mapa o trajeto todo, contei o número de quadras e decidi que devia descer depois de 8 quadras. Acontece que entre a rua e o trilho do bonde tinha um parque linear (não-arquitetos: um canteiro grande com árvores altas) que me impedia de contar as quadras. Instintivamente resolvi descer depois de um tempo. Caminho em direção ao rio (isso pelo menos eu sabia). Passo por um quartel e pergunto ao guarda onde ficava a praça que eu buscava. Ele pensou, pensou e disse que não sabia (tá, ficava só a 4 quadras dali). Continuo caminhando e chego numa praça a beira do rio. Talvez a minha? Abordo uma senhora num caixa eletrônico (se fosse no Brasil ela já tava pensando que era assalto...) e ela me responde gentilmente que estava na praça que eu buscava. Bom, faltava achar a loja Mac.


[Fórum Romano [Zaha or any other deconstrutivist was here...]]

Caminho, caminho e me deparo com uma maçã. Só podia ser lá. Entro em algo bem diferente da fotografia da internet, com caixas empilhadas por todos os lados. Gentilmente começo com o tradicional discurso: Io no parlo italiano molto bène. Alguém aqui fala inglês? Uma funcionaria se ofereceu para me ajudar, mas ela ria mais do que falava. Não sei se era de mim, dela mesma ou da situação: um nativo em português tentando comprar um teclado em inglês numa loja só com teclados em italiano, sendo que ela não falava inglês, eu entendia italiano, e quando eu falava só saia espanhol. Ok, com muita paciência ela encontra o tal do teclado em inglês. Ela desandou a rir mesmo quando eu resolvi testar o teclado, apenas para ver se os acentos saiam no lugar certo. Antes de inventarem o teclado internacional no Mac, acentuar era algo que exigia uns 4 dedos ao mesmo tempo... Ela ainda resolveu empacotar o teclado. Novamente acesso de riso. Só achou uma caixinha que cabiam uns 14 teclados lá dentro. Saio eu na rua com o monstrengo debaixo do braço, parecia que tinha comprado uma metralhadora.

Passo pelo quartel e resolvo dizer para o guardinha que a praça era prá lá, deixa prá lá, laggiu, lassu, muito trabalho com advérbios de lugar que eu não lembro mais. Volto para o bonde e chego na Piazza del Popolo, entrei nela pelo arco que dá uma vista indescritível do tridente. É uma vista que pede um uau! E olha que já tinha estado lá. Fiquei ali paralisado, bobo, imaginando o que devem exclamar pessoas que falam idiomas desprovidos de vogais, como alemão ou islandês.


[Piazza del Popolo - wow, uau, uhu, uia, coño, opa... sem vogal não dá!]

Tinha algum tempo antes de ir para o aeroporto. Meu roteiro parecia simples. Ir até a Via del Corso e seguir até a estação Termini, pegar a mochila, pegar um trem e seguir até o aeroporto. Parecia, porque mal sabia eu que eu levaria quase 3 horas para fazer um percurso de 35 minutos caminhando.

Chego na parada de ônibus. Um canteiro ampliado no meio da rua com gente pendurada. Sem cobertura, sem banco, só uma parada com o itinerário dos ônibus. Bom, tinha um que seguia para Termini. Largo a caixa do teclado, digo metralhadora no chão e espero pelo ônibus. E espero. E espero. 20 minutos depois e nada, chega um guri que chamarei de Carlo. O Carlo chega com uma mala maior do que ele (deduzi qe ia para estação) e espera. E espera. E espera. Depois de 40 minutos esperando ele decide caminhar. Depois de 10 minutos, já sem o Carlo para espelhar minha tragédia de espera, quando completei 65 minutos de espera decidi ir caminhando.

Chegando na parada seguinte, eis que passa o ônibus. Consegui entrar, quero dizer, consegui me agarrar na porta. O ônibus tava tão cheio que não cabia ninguém, imagina um cara com uma metralhadora. Obviamente não deixei a porta fechar até que aquele povo achasse um lugar pra mim lá dentro. Arrumaram e eu fiquei espremido por uns 30 minutos até que saíram algumas e eu pudesse ver onde estávamos. Estávamos numa rotatória pequena, nós e mais uns 50 veículos totalmente congestionados. É hoje que eu não volto para casa...

A cena mais indescritível aconteceu quando já dava para avistar a estação Termini. Eis que surge uma grande rotatória e pensei comigo mesmo: se for como na última (25m atrás), estou ferrado. Melhor puxar o freio de emergência e saltar ali mesmo. Munido de uma dose de paciência extra, encarei os fatos: bom, não deve demorar tanto assim, essa é bem maior do que a outra e eu ainda tenho tempo. Nisso avisto o Carlo caminhando com a malinha dele do outro lado da rua. Dois a zero pra ele. Rotatórias, rótulas e essas coisas que servem para fazer fluir o trânsito, em Roma não tem o mesmo objetivo. Acho que até serviam quando tinha duas ou três bigas no trânsito, mas dois mil anos depois, os romanos concluíram que é muito mais fácil dirigir com a buzina do que com o volante e do que acertar o trânsito.

Depois de 10 minutos em que o ônibus não saiu do lugar preso na rótula, caminhei ate a frente do ônibus para dar uma biaba na orelha do motorista, quando vejo que ele gentilmente deixava que um táxi saísse da esquerda para direita se atravessando na frente de 4 ônibus e trancando tudo por outros 10 minutos. Sorte dele que estava encerrado numa cabine de vidro a prova de som e carros bomba, porque com a minha metralhadora, digo teclado, ia fazer um baita estrago nele. Ainda foram outros 8 minutos até chegar na estação. Correndo, pego a mochila, compro a passagem e corro para o trem.

Entrando no trem, eis que surge uma criatura com uma mochila dessas com a qual a gente passa três meses fora de casa, entalado entre duas poltronas, impedindo as pessoas de circularem para chegarem aos seus assentos. Com um copo com Campari na mão, um cheiro de álcool que me fez me sentir em um posto de combustível, ele cantarolava Volare e perguntava se aquele era o trem para o aeroporto. Sentei longe da criatura, mas volta e meia era possível ouvir quando ele desafinava no Voooolare...

Trinta minutos depois, chego ao aeroporto. Quando vão inventar uma estação de trens dentro do aeroporto? Caminho com a minha mochila nas costas, minha malinha dependurada no ombro direito e minha metralhadora, digo teclado sob o esquerdo. Fila do check in (gigantesca)a funcionara da Lufthansa mais preocupada com as minhas poltronas e com a metralhadora, digo teclado, esqueceu de me cobrar os 78 euros de multa pela alteração da passagem. Bom, vão me cobrar dentro do avião... Passo pela segurança com o teclado, digo metralhadora – caixa muito suspeita – e chego no portão de embarque. Vôo lotado, só uns velhinhos alemães voltando pra casa. Se somassem a idade de todos os passageiros e diminuíssem o resultado do ano que estamos, acho que voltaríamos a idade dos metais...

Embarco correndo quando a funcionaria olha no me bilhete que eu estava embarcando dia 22 com uma passagem do dia 23. Me perguntou se eu tinha pago as taxas, me fiz de louco e não respondi nada. Ela também não falou nada. Quando o avião deu ré, pensei: escapei! De fato escapei. Só espero que ninguém da VARIG passe pelo blog.



Bom, Roma é mesmo uma confusão, um caos, mas mesmo assim é uma das cidades que eu mais gosto no mundo. As pessoas parecem estar tão habituadas a essa confusão que nem protestam, não reclamam, imagina isso nos EUA. Essas sutilezas culturais é que me fazem querer viajar.

Nonsense e hipocrisia

Friday, July 22, 2005 6:37 AM Posted by Lucas Welter 0 comments
Duas coisas básicas para o bom andamento do planeta: nonsense e hipocrisia. A vida fica mais leve com as doses certas.

Meus óculos deram a volta ao mundo em mais de 80 dias...

Monday, July 11, 2005 6:35 AM Posted by Lucas Welter 0 comments
Em setembro de 2003 estive na Alemanha, onde passei alguns dias na casa da minha amiga Frauke em Osnabrük. Dias depois continuei minha viagem pela Alemanha e chegando em Berlin, dei falta dos meus óculos escuros. Achei que tinham ficado pelo caminho, mas não tinha nem idéia de onde.

Quando voltei para o Brasil, passei uma semana em Natal/RN e nunca lamentei tanto ter perdido os óculos. Tenho outros, mas gostava daqueles. Não eram caros, mas também nem tão baratos... Tentei comprar outros, mas o modelo tinha saído de linha. Tempos depois, ainda procurava por aquele modelo.

Pula para fevereiro de 2005. Recebo um cartão da amiga que visitei em Osnabrük (Frauke), entregue por uma outra amiga brasileira, a Ângela, que tinha estado com ela em Hamburgo uma semana atrás. No cartão ela me perguntou se eu sabia a história dos meus óculos... boa pergunta, eu não sabia a história muito menos o destino dos meus óculos.

Na verdade meus óculos foram esquecidos na casa da Frauke na Alemanha. Quando ela encontrou, entregou para uma amiga em comum, Annette – diretora de programas do AFS Alemanha - entregar para um outro amigo em comum - Eduardo, superintendente do AFS Brasil - em um congresso que haveria em outubro, no Pananá. Nossa amiga Annette leva os meus óculos para o Panamá e casualmente os esquece em uma mesa em que almoçava com um outro amigo em comum (quantos amigos em comum...). Este outro amigo, Rolando - superintendente do AFS da Costa Rica - , pensando que o óculos eram da Annette, leva eles para Costa Rica, afinal, cedo ou tarde, amigos em comum (não sei mais quais deles...) se encontrariam. Rolando nem sonhava que os óculos eram meus.

Outubro de 2004. Novo congresso, nova reunião de amigos em comum, desta vez no Japão. Rolando (Costa Rica) leva os meus óculos para o Japão para devolver para a pseudo-dona, Annette (Alemanha). Esta recebe os óculos , mas (razões desconhecidas...) não os entrega para o Eduardo, que poderia me devolvê-los facilmente. Os óculos voltaram para Alemanha apos o tour japonês. E assim, voltamos para o começo da história. A Ângela encontra com a Frauke e a Annette em um seminário na Alemanha, mas também não recebe os óculos de volta e sim um cartão contando a história. A Frauke, assim como a Ângela, também soubera da história naquele momento. Meio cósmico...

Fiquei sabendo disso em fevereiro de 2005. Em abril, haveria um novo encontro de amigos em comum. Eu deveria encontrar com Mick – superintendente do AFS Alemanha e chefe da Annette. Escrevi para Annette e ela me contou que não tinha desistido de me devolver os óculos e que ela tinha plano de férias para eles: levar os óculos para o Panamá em uma outra reunião e entregar para um amigo paraguaio, o Tachi – hoje presidente do AFS Internacional, que levaria eles para Nova Iorque e deixaria lá para o Eduardo pegar lá por junho, em uma outra reunião. Quando contei que encontraria com o chefe dela (Mick) na Itália, ela me escreveu dizendo que não poderia negar a oportunidade de dar aos óculos um tour pela Toscana. Assim, tudo combinado.

Pula para abril de 2005, na Toscana. Encontro com o Mick (superintendente do AFS Alemanha) e pergunto pelos óculos. Ele não sabia de nada (??) mas achou a história bem divertida. Que consolo... Vou pra cama me perguntado o que deverá ter acontecido. No dia seguinte uma outra amiga em comum (Elisabeth), uma belga dessa vez, me entrega um pacote com os óculos e duas barras de chocolate. Finalmente os óculos voltaram para o dono, graças aos esforços de amigos em comum, porém com uma paradinha em Bruxelas...

Resumo dos fatos:
1 óculos perdido
+ 7 países
+ 9 pessoas envolvidas
+ 19 meses longe + duas barras de chocolate
= AFS